sexta-feira, 3 de junho de 2011

Amor Sagrado e Amor Profano

Ticiano, Amor Sagrado e Amor Profano, 1514. Galeria Borghese, Roma.

Para a primeira análise de uma obra renascentista, a pintura denominada "Amor Sagrado e Amor Profano", do pintor veneziano Ticiano Vecellio. A obra foi produzida em 1514, é um óleo sobre tela, e foi encomendado por Niccolò Aurélio, então secretário do Conselho dos Dez, e mais tarde Grande Chanceler da Sereníssima, estado no nordeste da Itália, com capital em Veneza, que existiu entre o século IX e XVIII. Pertence à Galeria Borghese, em Roma.

A obra foi feita no Renascimento, movimento artístico e intelectual ocorrido na Europa que transformou profundamente as concepções de mundo e formas de pensamento. Uma das principais características desse período é a redescoberta dos textos antigos, e é em um desses textos que se encontra a chave para a interpretação da obra de Ticiano. No Symposium, diálogo de Platão, Pausanias fala de uma dupla de Vênus, a "celestial e a "vulgar". O texto de Platão foi interpretado pelo humanista Marcílio Ficino, inaugurando o movimento neoplatônico, do qual discursos sobre o amor e a beleza encontraram profusão única na história. A obra de Ticiano faz parte deste movimento, e tem como tema um discurso sobre o "amor".

Na pintura estão duas mulheres sentadas em uma fonte de mármore esculpida, uma nua e a outra vestida. São as duas Vênus, a celeste, nua, coberta apenas com uma tela branca e um manto púrpura (cor que identifica caráter divino nas obras renascentistas), e a vulgar, vestida com um traje branco de manga púrpura. Entre elas, está o cúpido, remexendo as águas da fonte.  O fato de a mulher nua representar a Vênus celeste demonstra a atribuição de valores positivos que se fazia da nudez no período renascentista, como a beleza feminina, o amor e a felicidade eterna.

Diferente do que supõe o título da pintura, nome dado provavelmente no final do século XVII, a obra não se trata de uma oposição entre dois tipos de amor. Existia no renascimento a crença de que a beleza sem ornamento é superior à beleza adornada, e que a forma de amor celeste, que aprecia uma beleza superior à que chamamos realidade, é mais elevada que a forma de amor terrena, que aprecia uma beleza pertencente ao mundo material. Porém, as duas formas de amor, representadas pela dupla de Vênus, buscam a beleza, cada uma à sua maneira, mas ambas são nobres e dignas de serem veneradas. Assim, segundo a interpretação do historiador da arte Erwin Panofsky, na obra está presente um diálogo de amor, dentro de um espírito de persuasão. O cúpido remexendo as águas da fonte seria um símbolo do princípio da harmonia, em que as duas formas de amor, apesar das diferenças, seriam uma só essência.