sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Mensageiros visitam Lênin


Vladimir Serov, Mensageiros visitam Lenin, 1950. Museu Central Lenin, Moscou.

A obra "Mensageiros visitam Lenin" foi feita em 1950 pelo pintor russo Vladimir Aleksandrovich Serov. Um óleo sobre tela, o quadro tem 2,8 por 1,9 metros, e está exposto no Museu Central Lênin, em Moscou.

Na pintura estão quatro homens, Lênin sentado mais à direita, e outros três camponeses, dois sentados a volta de uma mesa e um em pé. Os três camponeses olham para Lênin, que segura um lápis com a mão direita e tem um bloco de papel sobre a mesa. Lênin olha atentamente um dos camponeses, que faz gestos com as mãos como se enumerasse reivindicações. Todos têm expressão concentrada. As botas sujas do camponês e as bolsas representadas na pintura, uma no chão ao lado da cadeira e a outra nas costas do homem de pé, indicam que fizeram uma longa viagem. O local onde estão é o prédio do Instituto Smolny, onde funcionou o Comitê Central nos primeiros meses do regime soviético. O líder revolucionário recebe os mensageiros, que estão ali como representantes do campesinato soviético, talvez delegados eleitos por seus pares. Lênin escuta suas reivindicações e as anota em seu bloco. Os três camponeses parecem completamente à vontade diante do grande líder, Lênin está inclusive representado em um nível mais baixo que eles, indicando a importância do povo e o papel que deveriam ter neste novo governo.

A obra faz parte do chamado "Realismo Socialista", estilo artístico oficial da URSS entre os anos 1930-60. A pintura foi encomendada pelo estado e estava dentro dos princípios que direcionavam a arte neste momento na União Soviética, esta deveria ser uma arte que propagasse valores políticos, que representasse novas formas da realidade, que educasse o povo para a construção desta nova realidade e mesmo para a transformação cultural e individual. Lênin, o grande líder revolucionário, é uma figura corrente nas produções artísticas desse período, geralmente representado entre o povo, no mesmo nível que ele, um líder que não está acima do povo, mas que está à serviço dele, mais do que isso, que faz parte dele.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Amor Sagrado e Amor Profano

Ticiano, Amor Sagrado e Amor Profano, 1514. Galeria Borghese, Roma.

Para a primeira análise de uma obra renascentista, a pintura denominada "Amor Sagrado e Amor Profano", do pintor veneziano Ticiano Vecellio. A obra foi produzida em 1514, é um óleo sobre tela, e foi encomendado por Niccolò Aurélio, então secretário do Conselho dos Dez, e mais tarde Grande Chanceler da Sereníssima, estado no nordeste da Itália, com capital em Veneza, que existiu entre o século IX e XVIII. Pertence à Galeria Borghese, em Roma.

A obra foi feita no Renascimento, movimento artístico e intelectual ocorrido na Europa que transformou profundamente as concepções de mundo e formas de pensamento. Uma das principais características desse período é a redescoberta dos textos antigos, e é em um desses textos que se encontra a chave para a interpretação da obra de Ticiano. No Symposium, diálogo de Platão, Pausanias fala de uma dupla de Vênus, a "celestial e a "vulgar". O texto de Platão foi interpretado pelo humanista Marcílio Ficino, inaugurando o movimento neoplatônico, do qual discursos sobre o amor e a beleza encontraram profusão única na história. A obra de Ticiano faz parte deste movimento, e tem como tema um discurso sobre o "amor".

Na pintura estão duas mulheres sentadas em uma fonte de mármore esculpida, uma nua e a outra vestida. São as duas Vênus, a celeste, nua, coberta apenas com uma tela branca e um manto púrpura (cor que identifica caráter divino nas obras renascentistas), e a vulgar, vestida com um traje branco de manga púrpura. Entre elas, está o cúpido, remexendo as águas da fonte.  O fato de a mulher nua representar a Vênus celeste demonstra a atribuição de valores positivos que se fazia da nudez no período renascentista, como a beleza feminina, o amor e a felicidade eterna.

Diferente do que supõe o título da pintura, nome dado provavelmente no final do século XVII, a obra não se trata de uma oposição entre dois tipos de amor. Existia no renascimento a crença de que a beleza sem ornamento é superior à beleza adornada, e que a forma de amor celeste, que aprecia uma beleza superior à que chamamos realidade, é mais elevada que a forma de amor terrena, que aprecia uma beleza pertencente ao mundo material. Porém, as duas formas de amor, representadas pela dupla de Vênus, buscam a beleza, cada uma à sua maneira, mas ambas são nobres e dignas de serem veneradas. Assim, segundo a interpretação do historiador da arte Erwin Panofsky, na obra está presente um diálogo de amor, dentro de um espírito de persuasão. O cúpido remexendo as águas da fonte seria um símbolo do princípio da harmonia, em que as duas formas de amor, apesar das diferenças, seriam uma só essência.

 

sexta-feira, 13 de maio de 2011

O Juramento dos Horácios

Jacques-Louis David, Le Serment des Horaces, 1784. Museu do Louvre, Paris.

Assim como a obra anterior, a próxima pintura também tem como título um juramento, trata-se do famoso quadro do pintor francês Jacques-Louis David, "Le Serment des Horaces" ( O Juramento dos Horácios). É bem provável que o quadro de J. M. Blanes tenha influência da iconografia francesa, influencia que ficará mais evidente quando analisarmos alguns significados da obra de David. O Juramento dos Horácios foi concluído em 1784, tem 3,3 por 4,25 metros, e foi encomendado pelo rei da França, Luís XVI. Encontra-se no Museu do Louvre, em Paris.

A pintura é uma representação de uma passagem da peça Horácio, do dramaturgo francês Pierre Corneille, que por sua vez é inspirada na obra Ab Urbe Condita, escrita no século I a.C. pelo escritor romano Tito Lívio. A cena representada refere-se às guerras entre Roma e Alba, em 669 a.C.  A disputa entre as duas cidades se resolve com um combate entre três camponeses de cada cidade. Os grupos escolhidos são os três Horácios e os três Curiacis, duas famílias com relações muito próximas.  Uma das irmãs dos Curiacis, Sabina, é casada com um dos Horácios, e Camila, irmã dos Horácios, está prometida a um dos irmãos Curiacis. Apesar dos laços que ligam as famílias, os irmãos vão para a batalha, colocando a lealdade ao estado na frente dos sentimentos pessoais, desencadeando uma série de acontecimentos trágicos e conflitos de consciência.

Na obra aparecem três homens vestindo trajes de luta, com os braços levantados em direção a outro homem, que levanta três espadas para o alto. No lado direito da obra estão três mulheres sentadas, de olhos fechados, com gestos e expressões de consternação. Os três homens são os irmãos Horácios, prestando juramento de lealdade e solidariedade à Roma. O homem que segura as espadas e que toma o juramento é o pai Horácio, e atrás deles estão Camila Horácio, de branco, irmã dos três, Sabina Curiaci, de marrom, esposa de um dos Horácios, e uma aia, de azul, carregando os filhos de Sabina e de um dos Horácios. No centro da pintura verifica-se a ação principal, o ritual de juramento, os homens tem expressões enérgicas, em contraposição ao desconsolo das mulheres. 

A obra, encomendada pelo rei Luís XVI, foi concluída em 1784 e exposta pela primeira vez em 1785. Foi pintada poucos anos antes da Revolução Francesa, movimento que derrubou a monarquia e marcou a instituição de uma nova ordem social na Europa. Grande parte das obras produzidas nesse período pré-revolucionário têm como característica a representação de idéias como a lealdade ao estado e à monarquia, e o dever público acima do sentimento privado, e são essas algumas das idéias representadas na pintura de David. A obra é considerada o paradigma da pintura neoclássica, convertendo-se em  modelo a ser seguido por pintores posteriores. Revela aspectos do final do período moderno, como a intenção da nobreza e monarquia em resgatar valores da Roma Antiga, como o civismo e a virtude, e o bem coletivo sobre os interesses individuais.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

O Juramento dos Trinta e Três Orientais

Juan Manuel Blanes, El Juramento de los Treinta y Tres Orientales, 1877. Museu Nacional de Artes Visuais, Montevidéu.

Para a análise de hoje, outra obra de grandes dimensões: “El Juramento de los Treinta y Tres Orientales”, do pintor uruguaio Juan Manuel Blanes. A pintura foi concluída em 1877, e doada no ano seguinte ao governo uruguaio. O quadro, um óleo sobre tela, tem 3,11 por 5,64 metros e se encontra no Museu Nacional de Artes Visuais, em Montevidéu.

O processo histórico ao qual a pintura se refere são as lutas de independência do Uruguai contra o Brasil, em 1825. Trinta e Três Orientais é o nome pelo qual ficou conhecido o exército libertador liderado por Juan Antonio Lavalleja. A cena representada é o desembarque de Lavalleja e seus companheiros à praia de La Agraciada. Na pintura, os companheiros estão com os braços levantados, alguns com espadas em riste, em sinal de juramento, ritual de forte significado de patriotismo, o juramento de liberdade ou morte. No centro, o local mais iluminado, estão representados aqueles que foram glorificados como os principais heróis nacionais, J. A. Lavalleja, segurando a bandeira vermelha, azul e branca, com os dizeres libertad o muerte no centro, e Manuel Oribe, do seu lado direito segurando o chapéu no alto.

A obra foi produzida em um período em que as elites intelectuais e políticas uruguaias estavam profundamente preocupadas com a construção de uma consciência nacional, existia um projeto de formação de uma identidade nacional uruguaia que contava com a historiografia, a literatura e a pintura. Juan Manuel Blanes estava incluído nesse projeto, e seu quadro teve participação fundamental em tal processo de formação identitária.

Quando foi exposto pela primeira vez, o quadro provocou enorme comoção popular, por causa dele até hoje J. M. Blanes é conhecido no Uruguai como “el pintor de la patria”. Sua pintura ajudou a construir todo um imaginário sobre o processo de independência uruguaio. Criou símbolos e heróis nacionais, ajudou a erigir um conjunto de ações ao patamar de um mito fundacional da nação uruguaia, contribuindo para a construção de um passado heróico, uma memória coletiva e de uma identidade nacional. A imagem que se teve durante muito tempo (e que muitos ainda têm) sobre o processo de independência uruguaio é profundamente marcada pela pintura “El Juramento de los Treinta y Tres Orientales”, como se a própria realidade estivesse retratada pelo pincel de Blanes, tão forte foi sua influência para a formação da nacionalidade uruguaia.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

A Gloriosa Vitória

                                     Diego Rivera, "La Gloriosa Victoria", 1954. Museu Pushkin, Moscou.

Para dar início às postagens, selecionei a obra para a qual tenho dedicado maior atenção nos últimos tempos (e continuarei dedicando ainda por um bom tempo), trata-se do mural "La Gloriosa Victoria", do pintor e muralista mexicano Diego Rivera.  O mural, pintado sobre uma tela, mede 2,6 por 4,5 metros. Foi pintado em 1954, e pertence desde 1958 à coleção do Museu Estatal Pushkin de Belas Artes, em Moscou.

"La Gloriosa Victoria" tem como tema central a participação dos Estados Unidos e das forças militares da Guatemala na queda do governo de Jacobo Arbenz, em 1954. A queda de Arbenz foi o fim de um governo democrático-burguês que propunha uma série de transformações de ordem conjuntural na Guatemala. Dentre as transformações, é possível indicar a Reforma Agrária de 1952 como um dos principais motivos para a intervenção dos EUA no país, que marcou a primeira operação organizada pela CIA para derrubar um governo estrangeiro. Além da CIA, a United Fruit Company, empresa estadunidense de produção e comércio de frutas (especialmente a banana), que teve terras expropriadas pela Reforma Agrária, o Departamento de Estado dos EUA, as forças armadas, elites e Igreja Católica da Guatemala tiveram importante participação nesse processo.

No canto direito da pintura, estão pessoas presas, uma delas segurando uma bandeira da Guatemala. Seguindo a pintura da direita para a esquerda, veem-se dois camponeses em sinal de protesto, com facas nas mãos, e outros indivíduos lamentando a morte de homens, mulheres e crianças, em um rastro de cadáveres que vai até os pés de um soldado guatemalteco, no canto esquerdo do mural. Atrás do soldado estão trabalhadores vindo de uma enorme plantação de bananas, todos eles carregando grandes cachos em direção a um navio com a bandeira dos Estados Unidos, aqui temos uma clara referência à United Fruit, dona de uma quantidade imensa de terras na Guatemala na época. No centro da pintura estão representados alguns indivíduos reais, como o secretário de estado dos EUA John Foster Dulles, que segura uma bomba com o rosto do então presidente dos EUA, Dwight Eisenhower, e cumprimenta o coronel guatemalteco Carlos Castillo Armas, quem assume a presidência após a queda de Arbenz. Do lado esquerdo de Foster Dulles, com a cabeça apoiada em seu ombro e carregando uma bolsa cheia de dólares, está seu irmão, Allen Dulles, chefe da Agência Central de Inteligência (CIA), e do seu lado direito o embaixador dos Estados Unidos na Guatemala, John Peurifoy. E a direita dos soldados guatemaltecos e estadunidenses aparece o arcebispo da Guatemala Rossell y Arellano, fazendo um sinal de bênção.

Diego Rivera pintou o mural ainda em 1954, poucos meses após a queda de Arbenz, portanto, ainda à luz dos acontecimentos. O pintor mexicano era ligado a pessoas próximas do governo Arbenz, e teria feito o mural à pedido de amigos mexicanos e guatemaltecos, com o objetivo de denunciar a ação imperialista no país. O título do mural é uma referência à frase dita por John Foster Dulles ao proclamar a queda de Arbenz: "uma gloriosa vitória para a democracia".

A obra passou mais de 50 anos perdida em uma bodega do Museu Pushkin, descoberta somente em um inventário no ano 2000. Em 2007, esteve no México participando de exposições em homenagem ao cinquentenário de morte de Rivera, e em 2010 no Palácio Nacional de Cultura da Guatemala, sendo a principal obra da exposição "Oh! Revolución 1944-2010, Múltiplas Visiones", que tinha como tema a Revolução Guatemalteca e posterior invasão estadunidense ao país. Após participar de tais exposições, retornou ao Museu Pushkin, onde permanece atualmente. 

Bem vindo ao blog Arte Testemunho

Prezado(a) leitor(a),

É com satisfação que apresento o blog Arte Testemunho. Aqui serão desenvolvidas pequenas apresentações e reflexões sobre as relações entre história e arte. Em princípio, meu objeto de análise será somente a pintura, uma das tantas formas de expressão artística.

Minha intenção é discutir brevemente os possíveis usos da pintura como fonte para a construção do conhecimento histórico e como recurso didático para o ensino de história. Nas últimas décadas, houve uma importante ampliação do conceito de fonte histórica, durante muito tempo restrito aos chamados documentos oficiais. Nessa ampliação dos tipos de evidências possíveis de serem usadas, as imagens tem ocupado um lugar cada vez mais importante. Representações pictóricas também são registros históricos, produzidas em um determinado contexto, sob um determinado ponto de vista, com uma intencionalidade e carregadas dos significados e escolhas do autor que a produziu e da sociedade na qual foi concebida. Constituem-se, assim, como testemunhas de tendências políticas, sociais e culturais do passado. Porém, o uso de imagens ainda é tímido, na maior parte das vezes  sendo usadas apenas como ilustrações.

Minha proposta é apresentar em cada postagem uma pintura, discutindo sobre o contexto histórico no qual foi concebida, o que pode representar, as condições de criação da obra, e outras análises que acredite serem relevantes. Assim, espero contribuir, ainda que minimamente, para o avanço de tais estudos, assim como para sua utilização em sala de aula.

SEJA BEM VINDO!